domingo, 31 de janeiro de 2010
Prece numa igreja vazia
Sempre que ganha algum dinheiro, Matthew Scudder separa 10% e deposita na caixa de esmolas da primeira igreja que encontrar. Não interessa o que o padre ou o pastor vai fazer com o dinheiro. Matt confia que vai ser usado para o bem, e isso basta. Assim que deposita o dinheiro, Matt senta-se na igreja vazia e pensa na menina que morreu com a bala que foi disparada de seu revólver contra um bandido, mas ricocheteou em algum ponto do caminho e a atingiu no olho. Matt estava perseguindo um assaltante que havia acabado de matar um garçom num bar. Estavam trocando tiros e Matt estava tentando cumprir sua obrigação de policial e se defender. A polícia, depois de uma investigação minuciosa, o isentou de culpa, mas Matt abandonou a profissão e passou a beber descontroladamente. Seu casamento acabou e ele passou a viver num hotelzinho barato de Nova York, aceitando pequenos bicos que os amigos arranjam para ele sobreviver. Matt encontra forças para parar de beber nas reuniões do AA, onde ouve histórias terríveis sobre o que as pessoas são capazes de fazer às outras e a si mesmas.
Matt faz a gente pensar que alguns dos erros que cometemos na vida não são superados. Muitas vezes nem são erros, como no caso de Matt, mas situações em que nos envolvemos e das quais não conseguimos sair inteiros. Em seu trabalho, Matt vê a cara feia do Mal todos os dias. Nas reuniões do AA, vê que não há limites para a degradação humana. Mesmo assim, mesmo sendo um bom sujeito que assume sua culpa e tenta fazer algum bem, Matt não consegue alívio. Viver talvez seja isso: seguir em frente, carregando culpas cada vez mais pesadas, num corpo cada vez mais velho e cansado, na esperança de uma oportunidade de fazer o bem e compensar tudo o que não deu certo no nosso caminho.
Matthew Scudder, tão real em seus problemas, não é uma pessoa e sim o personagem de uma série de romances policiais criada pelo americano Lawrence Block. Mas não passa um dia sem que eu não me veja ao lado dele, numa igreja vazia, pensando nas minhas culpas e na dureza que é tirar algum bem dessa vida.
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