terça-feira, 7 de junho de 2011

Para Ágatha

Agora que tenho uma neta, já sei quem vai ver as flores cor de rosa das paineiras quando eu já não estiver por aqui. E quem vai reparar nos pares de flores roxas e brancas das quaresmeiras. Talvez alguém diga à Ágatha que o avô dela amava esse tipo de coisa intensamente. Talvez ela ria quando alguém disser que seu avô gostava da algaravia das maritacas, que cortam o céu azul  em busca de não sei o quê. E que gostava do chilreado dos pardais nos beirais das casas.
Se tiver um bico doce, Ágatha vai se deliciar com as frutas, todas as frutas, que seu avô saboreava com avidez, herança de um tempo em que elas eram o beijo roubado da meninice. Se eu ainda estiver por aqui, vou sugerir que ela comece pela melancia e que continue com a doçura absoluta da fruta do conde.
Minha neta vai descobrir suas próprias leituras e músicas, mas desconfio que ela vai gostar das histórias de mares distantes, planetas de harmonia e anjos que perdoam qualquer peraltice. Mais tarde, espero que ela descubra que é bem melhor sair de casa quando se leva na mochila um pouco de poesia. Aos poucos, ela vai fazer o roteiro de seus passeios favoritos na cidade de seus sonhos, aproveitar a companhia da lua e das estrelas e se sentir segura ao saber que o sol, que cobriu de dourado a maior parte da vida do seu avô, vai voltar e que é bom estar por aqui para receber seu calor e brilho.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Coisas sem explicação

Tem coisas na vida que a gente faz e não entende por quê. Coisas que não têm explicação ou cuja explicação nos escapa por completo. Fiz muitas coisas desse tipo, mas a que mais me intriga aconteceu numa tarde de verão. Eu saí do trabalho, no centro do Rio de Janeiro, e fui para Petrópolis a pé, num percurso de mais de 70 quilômetros. Eram 14h quando saí do trabalho. Cheguei a Petrópolis às 3h, num total de 13 horas de caminhada. Só parei para beber água numa daquelas fontes à beira da estrada já na subida da serra. Conto isso agora porque já se passaram muitos anos e, como não fiz nada tão maluco desde então, corro poucos riscos de ser internado e submetido a eletrochoques e lobotomia. Isso sem falarna camida-de-força, que me apavora diante de uma eventual vontade de coçar o nariz ou de amortecer uma queda.
Meu farnel para a caminhada era esquisito: dois tabletes de Toblerone e um tubo cheio de vitamina C, de 2 gramas, da Redoxon. O lanche, pelo menos, tinha explicação: o Toblerone me parecia o mais completo dos chocolates e eu tinha lido que os alpinistas davam prioridade a alimentos concentrados,, para não carregar muito peso. Eu não ia fazer uma escalada, eu sei (não sou tão doido assim!), mas ia subir uma montanha, a quase 800 metros acima do nível do mar. E não queria carregar peso, como um frango assado, farofa, um cacho de bananas, uma garrafa de dois litros de Coca-Cola. A vitamina C era para combater o cansaço. Eu era seguidor dos ensinamentos de Linus Pauling, Prêmio Nobel que era um entusiasta da vitamina. E continuei tomando o comprimido efervescente até que, combinado com aspirina, ele abriu uma úlcera no meu duodeno, um ano mais tarde.
A primeira parte da viagem foi tranquila: vi de perto como a Avenida Brasil é feia. Depois veio a Baixada Fluminense e o medo de assalto. Já era noite e minha estratégia foi passar pelos bares mais assustadores sem olhar para o lado. Não falei com ninguém e ninguém falou comigo. O verdadeiro problema surgiu quando comecei a subir a serra. A esta altura já estava exausto e tinha uma grande ladeira pela frente. Usava roupa de trabalho: calças compridas,  camisa de mangas compridas, e sapato de couro. E uma bolsa de couro, onde costumava carregar livros, que naquele dia estava ocupada pelo chocolate e a vitamina C.
A subida da serra não tem acostamento, o que obriga andarilhos como eu era naquele dia a dividir o espaço com os veículos. Já era noite e o movimento era pequeno, mas alguns motoristas de caminhão tentaram me acertar de qualquer jeito.Nessas horas, eu me jogava no mato à beira da estrada. Comi o primeiro Toblerone na Baixada. O segundo joguei fora, porque tinha derretido e porque estava enjoado de cansaço. A vitamina C só pude tomar no alto da serra, porque não tinha levado água e na Baixada eu não podia nem olhar para o lado, quanto mais entrar num bar e pedir um copo d'água.
Estava andando como um zumbi, consciente de que se parasse não chegaria ao final da estrada, quando dei de cara com um túnel. Um túnel grande e escuro. A esta altura eu não estava mais raciocinando (como se antes da empreitada eu estivesse!) e mal conseguia colocar uma perna diante da outra. Mas o medo do escuro me fez atravessar o túnel correndo. Os morcegos que moravam lá guincharam e eu me lembrei que alguns morcegos são vampiros. Foi adrenalina deste susto que me fez percorrer os últimos quilômetros, e cheguei em casa são e salvo. O sapato acabou. A roupa, encharcada de suor, teve que ser jogada fora. Dava para lavar, mas eu não queria mais vestir aquele testemunho de um longo pesadelo.
Até hoje não sei por que fiz aquilo. A tensão estava insuportável no trabalho. A vida que eu levava não era a que eu queria. Provei para mim mesmo que podia ser determinado e suportar grandes sacrifícios. Mas foi tudo uma grande bobagem: no dia seguinte voltei à minha rotina infeliz. Eu era capaz de grandes aventuras, mas me deixei às engrenagens de sempre: necessidade de um salário no final do mês e a preocupação de não decepcionar o que esperam da gente.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Arco-íris

Se as cores com que o céu
tão bem te pinta,
correrem paralelas
num arco de água e luz,
separarei as mais lindas
para melhor entender
o que há em ti que me fascina.
Mais que tudo aparecem
os teus cabelos que o vento
penteia com seus dedos
de carinho invisível,
cabelos cor do tesouro
que está aos pés do arco-íris.
Depois, a cor de lavanda nos
teus olhos, que são também
azul-turquesa como o
mergulho de alegria que
se dá no mar quando faz sol.
A cor dos lábios é vermelha,
mas que sabor eles têm?
O do morango que acompanha
as manhãs claras de inverno?
O da cereja, coração que brilha
nos dias que antecedem o Natal?
Ou o da framboesa, que a gente
encontra por acaso,
no meio do mato,
durante um passeio para
ver o devaneio dos pássaros
ou o bailado das fadas
no veludo das flores?

Arco-íris

Se as cores com que o céu
tão bem te pinta,
correrem paralelas
num arco de água e luz,
separarei as mais lindas
para melhor entender
o que há em ti que me fascina.
Mais que tudo aparecem
os teus cabelos que o vento
penteia com seus dedos
de carinho invisível,
cabelos cor do tesouro
que está aos pés do arco-íris.
Depois, a cor de lavanda nos
teus olhos, que são também
azul-turquesa como o
mergulho de alegria que
se dá no mar quando faz sol.
A cor dos lábios é vermelha,
mas que sabor eles têm?
O do morango que acompanha
as manhãs frias de inverno?
O da cereja, coração que brilha
nos dias que antecedem o Natal?
Ou o da framboesa, que a gente
encontra por acaso,
no meio do mato,
durante um passeio para
ver o devaneio dos pássaros
ou o bailado das fadas
no veludo das flores?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Fazendo a coisa certa

Um amigo meu, companheiro de batalha na luta contra a Hepatite C, sofreu um episódio de encefalopatia hepática, em que a pessoa fica desorientada, fazendo coisas estranhas, e cismou de namorar a sogra dele, que tem 87 anos. Nunca passei por isso, mas fiquei preocupado. Como passo a maior parte do tempo sozinho, minha atenção deverá se voltar para a vizinhança, caso eu fique desorientado. Preocupado com as possíveis consequências, passei o dia visitando as vizinhas mais idosas para alertá-las.
Algumas me chamaram de tarado e bateram a porta na minha cara. Outras, mais educadas, fingiram compreender a situação, muito embora seus olhares fossem de pavor absoluto. Hoje bem cedo fiquei na janela, à espera de policiais, enfermeiros de clínicas psiquiátricas e advogados, gente disposta a erradicar o risco de encefalopatia hepática da minha vida, e até mesmo de erradicar minha vida por completo, para o bem da saúde pública. Ninguém apareceu. Algumas senhoras idosas foram às ruas, agora portando bengalas. Outras mudaram de calçada logo que avistaram minha casa.
Consultei um médico, que me explicou que cada pessoa reage de um jeito e que seria pouco provável que eu passasse a ter um comportamento romântico com as senhoras de mais de 80 anos. Ele me perguntou se tenho feito coisas estranhas. Minha resposta foi sincera: "Sempre fiz coisas estranhas, desde pequeno, e todas as pessoas que observo com mais atenção também fazem coisas estranhas." O médico explicou que estava se referindo a coisas mais estranhas do que a média.
Fiz então um relato pormenorizado de minhas esquisitices: continuo tomando banho todos os dias, mas seguindo todos os dias o mesmo itinerário de limpeza, que começa nos cabelos e termina nos pés; continuo apaixonado pelo Flamengo, talvez um pouquinho mais, agora que o time melhorou: abandonei minha compulsão por comprar canetas, mas em compensação estou gastando todos os meus tostões em livros. Foi então que me ocorreu! Estou com mania de lavar louça, coisa que sempre abominei. Lavo toda a louça, limpo e enxugo a pia e de vez em quando vou até a cozinha admirar meu trabalho.
Meu médico ficou sem fala. Queria me sedar e me internar no hospital mais próximo. Fez "tsc! tsc!" várias vezes, com fisionomia de quem acha que está tudo perdido. Quando perguntei se ele não gostaria de ir até a minha casa ver como a pia da cozinha estava um brinco de limpinha, ele passou a mão no telefone e disse no tom de voz mais sério que já ouvi ele usar: "Tranquem todas as saídas!"

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Lições de baseball

Uma das grandes frustrações da minha vida é a de morrer sem ter conseguido entender o baseball, aquele jogo que é disputado num campo com formato de diamante, com jogadores que empunham um bastão ou uma grossa luva de couro. A conclusão que tiro deste fato é devastadora: se não entendo baseball então é bem provável que eu tenha passado pela vida sem entender as namoradas que me deram um fora, a exasperação de parentes e a desolação de professores. Se não entendo um jogo que é amado por milhões de americanos, cubanos e japoneses, entre outros, é porque sou um caso perdido.
É verdade que falhei em outros empreendimentos, como por exemplo o idioma alemão. Estudei regularmente alemão por quase três anos e só sei o significado de algumas palavras e como construir frases simples. Não faço a menor ideia de como funciona o jogo de críquete, apesar de todos os filmes e romances ingleses que devorei. Meu desempenho nas aulas de Física, Química, Geometria e Matemática sempre foi ridículo.
Não que eu seja tão burro assim: entendo as regras e o funcionamento do futebol americano, aquele da bola oval, dos capacetes e das ombreiras. É um jogo interessante, mas impraticável no Brasil: como fazer uma bola de meia no formato oval? E também não é o caso de me fazer de vítima, dizendo que falhei em tudo. Aprendi a nadar borboleta, o que é uma coisa difícil de se fazer. E cheguei a participar de competições na modalidade.
Mas, baseball foi demais para mim. Por que nem todos os jogadores usam o bastão? Por que correm como loucos de uma base para outra? Por que ficam felizes quando despacham a bola para fora do estádio? Não ficam tristes com o prejuízo de perder uma bola? E por que cospem tanto, meu Deus? Não tem uma graminha para colocar naquele campo empoeirado? O fato é que eu não acertaria a bola nem se ela estivesse amarrada ao taco.
Por que me preocupo tanto com isso? Se há vida depois da morte, ela vai levar uma eternidade e é possível que as pessoas recorram a passatempos à esperado Juízo Final. Gostaria de ter a opção do baseball como passatempo. Morro de medo de morrer de tédio.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Renda de espuma

No mundo que fiz para você,
o sol brilha enviesado,
as flores espreitam nos cantos
e há um caminho estreito de terra
que me leva até o mar.
Lá, o vento desalinha
as nuvens e faz as ondas
bordarem rendas de espuma
que chegam a seus pés.
Imagino o aroma de maçã
e cereja que selam seus beijos
e vejo hortelã e avelãs,
com piscadelas de mel,
nos seus olhos de menina alegre.