domingo, 24 de janeiro de 2010

Corrida de cavalos e um corvo


Meu pai era um jornalista conhecido na noite carioca e minha mãe dançava nos espetáculos de Carlos Machado, no Cassino da Urca. Eles podiam morar num apartamento entre Copacabana e Ipanema. Mas aí eu apareci e tudo mudou. Logo ficou claro que eu não podia viver ali:
1 - Um dia me pegaram empoleirado numa cadeira ao lado de uma janela escancarada, no 5º andar, empenhado em jogar os livros do meu pai na calçada. A sorte era que os livros eram finos, leves, e não devem ter machucado ninguém. Só por isso escapei de ter um homicídio no meu currículo antes mesmo de aprender a escovar os dentes e a amarrar meus sapatos.
2 - Eu gostava de apostar corridas com a minha mãe, sem que ela soubesse. Estávamos subindo de elevador e eu queria sair primeiro que ela, assim que as portas se abrissem. Só que cheguei muito perto e meu pé ficou preso entre o elevador e a parede, sendo arrastado. Minha mãe começou a berrar, pegamos um táxi e eu tentei colocar o dedo num buraco do pé de onde esguichava sangue. Minha mãe me deu um safanão e disse: "Tira o dedo sujo daí, seu idiota!". Eu pensei: "Pera lá, idiota não! Só porque prendi o pé no elevador?"
3 - Prova de que eu não era tão idiota assim é que eu sempre mostrava ao meu pai o novo esconderijo da minha mãe com o dinheiro para as compras da casa. Adorava saber de alguma coisa que ele não sabia. Minha mãe dava falta do dinheiro e ia até a janela olhar a calçada, talvez pensando em encontrar uma multidão à espera de mais uma de minhas demonstrações de desapego ao papel impresso. Um dia ela descobriu a verdade e foi um fuzuê. Até hoje me admiro da capacidade de meu pai de sustentar uma longa discussão em que ele era acusado de usar o dinheiro do pão e do leite para apostar nas corridas de cavalo.
4 - Eu tinha um amigo que morava numa casa em frente. Fui lá brincar uma vez. Era verão. Aliás, no Rio, é sempre verão. Estava sem camisa. E no meio da brincadeira um corvo pousou no meu ombro. Era domesticado e não me atacou, mas gritei assim mesmo e saí correndo. Anos mais tarde, quando vi "Os Pássaros", de Alfred Hitchcock, me diverti muito com as criticas que falavam de simbolismo. Que simbolismo, o que! Era a história de minha vida.

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