domingo, 12 de setembro de 2010

Trem Fantasma


Era sempre a mesma coisa: eu insistia com meu avô para ir no Trem Fantasma, mas bastava o carro andar e eu mergulhava o rosto no braço dele para não ver nada. Ouvia os gritos e os rangidos do trem, mas não olhava. Ele ralhava comigo, dizendo que era um desperdício, mas nunca deixava de me levar. Nunca vi um cenário escabroso daqueles, mesmo depois que cresci e me contaram que eram ridículos, de tão infantis. Se não vi os fantasmas quando estava ao lado do meu avô, por que iria vê-los sozinho ou com outras pessoas.
Eu era muito apegado ao meu avô, até o dia em que um outro garoto me deu uma surra. Enquanto escorria sangue do meu nariz, percebi que ele não poderia me proteger de tudo. Na mesma época, vi "Hair" e decidi que queria ver a cara feia do mundo. Encarar de frente tudo que poderia haver de mais horrível nesta vida. Ser uma espécie de hippie, vivendo de raios de sol, flores e música, esperando o carinho da natureza e a fraternidade das pessoas.É claro que não aconteceu nada disso e eu nunca mais fui o mesmo.
A crueldade das pessoas não tem limites e o mundo pode ser um lugar hostil, insuportável, de se viver. Sofri a rejeição não só dos desconhecidos, mas de amigos e até de parentes. Algumas pessoas tentaram me agredir e até matar por ninharias. Vi amigos e parentes se destruindo, depois de sofrerem muito e desistirem de viver. Escapei da morte várias vezes. Algumas vezes, por sorte. Outras, nem sei por quê. Sorte que chegou bem perto de mim, no dia em que deixei de ficar milionário por um algarismo. Perdi amigos e namoradas, perdi o rumo de quem eu era, da pessoa que eu gostaria de ter sido.
Eu preferia não ter visto a cara horrenda do mundo, preferia ter fechado meus olhos para sempre no braço do meu avô. Embarcar no trem fantasma foi mesmo um desperdício: teria aproveitado melhor o meu tempo se tivesse desembarcado na minha paisagem interior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário