quinta-feira, 5 de agosto de 2010

À procura de Holly


Estava em meu escritório às 10 horas de uma manhã cinzenta e chuvosa, à espera de algum cliente, enquanto lia minha correspondência. A manchete do jornalzinho dizia: "Ma-ma-mataram o Ga-ga-Gaguinho". Um senhor de óculos escuros e bengala branca passava em frente ao local onde se deu o crime mas jurava que não tinha visto nada. Outra testemunha se prontificou a fazer uma história em quadrinhos com o que viu, mas usava a Linguagem Brasileira de Sinais para dizer que não falaria nada. O promotor durão ameaçava processar os dois por obstrução da justiça. A única testemunha confiável era um anão que descreveu o assassino como um homem muito alto. Uma vizinha recusou-se a cooperar. Era óbvio que ela acalentava o sonho de que o criminoso, que disse apenas ser bonitão, voltasse à cena do crime e a convidasse para uma reconstituição do estupro. Não tinha sido estupro, mas ela não tirava essa ideia da cabeça.
Ergui meus olhos do jornal e deparei-me com uma loura estonteante, que me olhava com desprezo:
- Está lendo esse lixo?
- Sim - respondi - mas com espírito crítico.
- Então, por que você ria?
- É que o meu espírito crítico é meio gaiato.
Era primavera. Tinha que ser, pelo jeito como ela estava vestida. Sua roupa tinha mais cores do que os jardins suspensos da Babilônia. Tive ímpetos de regar seus pés e borrifar sua jaquetinha de veludo. Ela falava como uma ave recém saída do Jardim do Éden:
- Bem, vamos ao que interessa. Mas, está escuro aqui dentro, hein?
- A senhorita receia que a falta de sol faça murchar o violeta de seus trajes?
Ela fingiu que não ouviu, talvez porque pensasse que meu escritório ficaria ainda mais feio à luz do dia.
Ela contou então uma triste história. Estava em busca de um namorado de infância, de que só sabia o nome, a profissão de detetive particular e um gosto profundo pela poesia de Pablo Neruda. Foi neste ponto que passei a duvidar da sanidade mental de minha interlocutora. O que faria um detetive com a poesia? Procuraria rimas? Levaria versos livres para a cadeia? Ela disse que se chamava Holly, como a personagem de Hilary Swank em "P.S. Eu te amo", e explicou:
- É um nome fake, que uso no Orkut, mas sou mais conhecida por ele do que pelo meu nome verdadeiro, que é Maria Aparecida.
Olhei para o jornal que tinha acabado de ler e pensei nos desdobramentos do caso. Imaginei uma manchete sensacionalista do tipo: "Poema de amor leva detetive a perseguir colega". Imaginei a foto que usariam, tirada do meu perfil do Orkut: eu e um colega, ambos barrigudos, sem camisa, abraçados, num churrasco de confraternização, e a legenda: "Detetive não se conforma em não ser mais a musa de seu colega". Afastei os maus pensamentos e aceitei o caso. Precisava das cores de Holly em minha vida sombria. Mal sabia eu que em poucos dias estaria procurando não só o detetive-poeta, como também minha cliente, que desapareceu como as folhas que são levadas pelos ventos do outono. Mal sabia eu que em breve estaria escrevendo como um poeta, um mau poeta, desses que precisam de fertilizante para florescer.

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