Um amigo meu, companheiro de batalha na luta contra a Hepatite C, sofreu um episódio de encefalopatia hepática, em que a pessoa fica desorientada, fazendo coisas estranhas, e cismou de namorar a sogra dele, que tem 87 anos. Nunca passei por isso, mas fiquei preocupado. Como passo a maior parte do tempo sozinho, minha atenção deverá se voltar para a vizinhança, caso eu fique desorientado. Preocupado com as possíveis consequências, passei o dia visitando as vizinhas mais idosas para alertá-las.
Algumas me chamaram de tarado e bateram a porta na minha cara. Outras, mais educadas, fingiram compreender a situação, muito embora seus olhares fossem de pavor absoluto. Hoje bem cedo fiquei na janela, à espera de policiais, enfermeiros de clínicas psiquiátricas e advogados, gente disposta a erradicar o risco de encefalopatia hepática da minha vida, e até mesmo de erradicar minha vida por completo, para o bem da saúde pública. Ninguém apareceu. Algumas senhoras idosas foram às ruas, agora portando bengalas. Outras mudaram de calçada logo que avistaram minha casa.
Consultei um médico, que me explicou que cada pessoa reage de um jeito e que seria pouco provável que eu passasse a ter um comportamento romântico com as senhoras de mais de 80 anos. Ele me perguntou se tenho feito coisas estranhas. Minha resposta foi sincera: "Sempre fiz coisas estranhas, desde pequeno, e todas as pessoas que observo com mais atenção também fazem coisas estranhas." O médico explicou que estava se referindo a coisas mais estranhas do que a média.
Fiz então um relato pormenorizado de minhas esquisitices: continuo tomando banho todos os dias, mas seguindo todos os dias o mesmo itinerário de limpeza, que começa nos cabelos e termina nos pés; continuo apaixonado pelo Flamengo, talvez um pouquinho mais, agora que o time melhorou: abandonei minha compulsão por comprar canetas, mas em compensação estou gastando todos os meus tostões em livros. Foi então que me ocorreu! Estou com mania de lavar louça, coisa que sempre abominei. Lavo toda a louça, limpo e enxugo a pia e de vez em quando vou até a cozinha admirar meu trabalho.
Meu médico ficou sem fala. Queria me sedar e me internar no hospital mais próximo. Fez "tsc! tsc!" várias vezes, com fisionomia de quem acha que está tudo perdido. Quando perguntei se ele não gostaria de ir até a minha casa ver como a pia da cozinha estava um brinco de limpinha, ele passou a mão no telefone e disse no tom de voz mais sério que já ouvi ele usar: "Tranquem todas as saídas!"
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
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