segunda-feira, 26 de abril de 2010

Balões soltos no parque




















Suas palavras são balões soltos no parque,
pipas alaranjadas que recortam o azul
com cauda de samambaia e serpentina.
São notas musicais que bailam nas nuvens,
Desenhos animados de alucinada correria.
São mapas de piratas, tesouros de turmalina,
Poções de feiticeiras doidas e enternecidas,
Encantos que fazem brotar luas e estrelinhas,
Pegadas das folhas de outono no vento,
Florestas de esmeraldas, fogueiras de rubis.
Falam dos nomes e sobrenomes das fadas,
Apelidos de quando os magos ainda eram guris.
São pequenos sinos que dão risadas delicadas,
Têm o som da chuva que balança os trevos,
São douradas como abelhas carregando mel
e preenchem de sonhos os cinco sentidos.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Feliz aniversário, Jane Avril!


No dia do meu aniversário, penso no tempo que tomei emprestado de todos aqueles a quem admiro e que não viveram tanto tempo quanto eu, mas que viveram mais intensamente e deixaram o que pensar, o que sentir, o que alegrar.
F. Scott Fitzgerald já estava meio cansado e não tinha mais a energia para escrever um romance que se comparasse a "Suave é a noite", quando morreu aos 44 anos. Franz Kafka talvez já tivesse esgotado sua cota de pesadelos com insetos quando sucumbiu à tuberculose, aos 40 anos. Mas Toulouse-Lautrec poderia ter retratado sua amiga Jane Avril no Mulin Rouge de formas ainda mais esfuziantes e Van Gogh poderia ter feito por outras flores e outras árvores o mesmo que fez pelos girassóis e ciprestes, se ambos não tivessem dado o último suspiro antes dos 37 anos.
Tem um filme excelente, mas pouco conhecido, "Meus quinze anos", em que um personagem diz que seu sonho era de voltar no tempo e dizer a Van Gogh que seu trabalho seria mundialmente apreciado como a obra de um gênio, embora eu duvide que Vincent tenha feito o que fez pensando na glória ou na posteridade. Acho que ele se emocionaria mais com a canção "Starry starry nights", que Don MacLean fez em sua homenagem.
Marcel Proust escreveu o monumental "Em busca do tempo perdido" em seus 51 anos de vida. Billie Holiday gravou músicas que vão nos embalar eternamente, embora não tenha passado dos 44 anos. Edgar Alan Poe, que mal chegou aos 40, nos deixou Annabel Lee e Arthur Gordon Pym. Oscar Wilde não precisou ultrapassar os 46 para nos deixar frases perfeitas de humor e inteligência. Tudo isso para dizer que há tempo suficiente para realizar as coisas, se houver engenho e arte.
Nem todos têm talento, nem todos têm a preocupação de realizar obras inesquecíveis. Para estes, e é o meu caso, a vida é um andar em meio às gentes, um passeio para admirar o grande presente de todos os nossos aniversários que é a vida. E agradecer pela oportunidade da jornada e comemorar todos os sonhos e alegrias com nossos amores e amigos, sejam eles reais ou imaginários.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Philip Marlowe na fila do SUS


O maior apelo dos romances policiais é se identificar com o detetive incorruptível que é preso, leva surras e tiros, sobrevive na maior pindaíba, passando dias seguidos sem comer ou dormir, se sacrificando para enfrentar os poderosos, as pessoas que colocam o dinheiro e o poder em primeiro lugar na sua escala de valores. "O longo adeus", de Raymond Chandler, um dos melhores romances policiais já escritos, tem todos estes ingredientes. O detetive particular é Philip Marlowe, que simpatiza e sente compaixão por um bêbado, mas não pelas pessoas gananciosas que o cercam, apesar de sóbrias. Segundo Marlowe, "a maioria das pessoas passa pela vida usando metade de sua energia para proteger uma dignidade que nunca tiveram".
Sabemos que colocar o dinheiro como prioridade é errado, que deveríamos amar mais, ser solidários, nos desapegar das coisas materiais, ter compaixão por quem está menos preparado para enfrentar as dificuldades da vida. Mas temos medo de largar o dinheiro e ficar na dependência da ajuda de pessoas ainda menos generosas do que nós. Os detetives particulares idealistas dos romances policiais são uma forma de escapar desse dilema. Eles fazem o que nós gostaríamos de fazer e pagam o preço por isso, um preço que nós não queremos pagar. Poucos estão dispostos a levar uma surra ou um tiro na defesa de seus ideais de justiça. Ficar sem dinheiro, acumular dívidas, não ter o que comer nem onde dormir são situações aterradoras o suficiente. Arriscar a vida, nem pensar.
"Não existe armadilha mais mortal do que a armadilha que a gente arma pra gente mesmo", diz Marlowe. Fazemos nossas escolhas, e temos que enfrentar as consequências. Para acumular dinheiro e poder, temos que fazer vítimas, pisar nos pescoços dos outros, passar por cima de amores e amizades como um rolo compressor, conviver com mentiras e crimes, e com gente da pior espécie, parecidas com os nossos valores.
Viver sem medir as coisas pelo dinheiro é menos complicado, a vida é mais simples, sem grandes confortos, mas com afetos verdadeiros e reconfortantes. Quando a hora chegar, não teremos os melhores médicos nem os melhores hospitais, as filas para atendimento pelo SUS serão grandes e a espera maior ainda. Mas sempre dá para ler um romance policial de segunda mão, comprado baratinho num sebo, e pensar que estamos mais próximos de Philip Marlowe do que das pessoas que ele enfrenta.

domingo, 11 de abril de 2010

Você não sabe como é


"Você não sabe como é amar uma pessoa do jeito que eu te amo". É o que diz Janis Joplin em sua versão de "To love somebody", dos Bee Gees. Cada pessoa ama, pensa e sente de um jeito. Esta experiência é intransferível. Cada indivíduo é único e não pode ser substituído. Quando vemos aquelas fotos de pilhas de sapatos de vítimas do Holocausto, a dor é a soma de tudo que imaginamos que aquelas pessoas foram. O dono de um daqueles pares de sapatos gostava de tocar piano e tinha um gato de estimação. Outro colecionava selos, adorava geléia de morango e tinha uma namorada. Aquela menina queria ser atriz de teatro. Uma outra sonhava em ter uma pequena casa no campo. Todos desapareceram e esta perda não pode ser compensada. Cada ato de maldade tem consequências irreparáveis. John Donne escreveu que não se deve perguntar por quem os sinos dobram, porque eles dobram por você, uma vez nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo.
O lado bom de cada experiência ser única é quea gente pode recriar a realidade e ficar pasmo com cada nova roupagem com que a realidade se apresenta. Voltando à canção, se já era emocionante ouvir Barry Gibb cantando "To love somebody", como descrever a intensidade que Nina Simone coloca na mesma música? Como não reviver os ideais da Era de Aquário na versão solar de Janis Joplin? Mesmo que a gente não tenha o talento de Janis, é importante deixar o nosso testemunho, expor a nossa individualidade, porque outras pessoas terão a oportunidade de ver o que é uma pessoa, com suas qualidades e defeitos, sua eventual falta de talento, mas principalmente sua alegria de viver, e vão se sentir animadas a fazer o mesmo, E, o mais importante, passarão a respeitar mais cada indivíduo, passarão a amar mais a vida.

sábado, 10 de abril de 2010

A tela no banheiro


Quando o professor, ainda no antigo Clássico, perguntou se a classe preferia a arte discreta de Monet, Manet e Degas ou as cores fortes de Edvard Munch, escolhi este último, por entender que "O grito" era mais condizente com a vida intensa que então levava, que todos os adolescentes levam ainda hoje, imagino eu. Mas me precipitei. Não há nada que se compare com as sutilezas do impressionismo. Basta olhar esta tela de Claude Monet, "Terraço em Sainte-Adresse", que vi pela primeira vez no banheiro do consultório de um médico, no Rio. Sim. um banheiro. E impecável, sem nada a ver com o expressionismo de um banheiro de botequim. O banheiro deste consultório fazia lembrar o comentário de Danuza Leão de que o máximo de educação e etiqueta é deixar o banheiro sem nenhum indício do que aconteceu ali durante a sua estada. Como se você tivesse cometido o crime perfeito. O banheiro do médico do Rio parecia a morada do crime perfeito, tão limpo quanto a sala de um museu num dos grandes centros da Europa.
Mas, voltando ao impressionismo. Gostar dos impressionistas é gostar de bossa-nova e dos filmes independentes europeus. É gostar de tudo que é sutil, que exige contemplação e um olhar calmo para ser melhor saboreado. É abrir mão de seguir as grandes multidões e de participar dos grandes acontecimentos. É ter uma postura humilde e discreta. É entender que Deus está nos pequenos detalhes. É ver na tela "Terraço em Sainte-Adresse" o mar coalhado de barros a navegar a esmo, sentir a presença do sol num céu claro e imaginar o que conversam a senhorita de sombrinha e coberta de sedas e rendas e o cavalheiro enfatiotado como se fosse o dia de seu casamento, num cenário perfeito, em que as flores parecem exibidas e alegres.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

A mãe do robô


"Blade Runner - O caçador de andróides", de Ridley Scott, é um filme sobre emoções e sobre o significado da vida. Logo no início, um replicante mata um entrevistador que toca num assunto sagrado para os humanos: a mãe. O replicante, mesmo sem ter uma pessoa como referência, se enfurece com a invasão de sua privacidade e com a curiosidade sobre suas origens. Todos querem ser filhos do amor incondicional, até mesmo os andróides.
Rachel, a replicante que não sabe que é um andróide, fica arrasada quando Deckard, o caçador de andróides, lhe diz que suas memórias de infância, incluindo a foto que ela guarda da suposta mãe, não passam de implantes. Ela, mesmo sendo um robô, chora, se magoa e vai embora como se tivesse perdido o sentido de sua vida. Mãe é importante: não pelo carinho que nos nega, nem pela indiferença com que nos trata, mas por ser a nossa origem, o ponto onde nossa trajetória começou. Nem precisa ser a mãe biológica, mas aquela criatura que nos amou, que nos incentivou a seguir vivendo, sem pensar em dar um tiro na cabeça.
Os quatro replicantes que são caçados no filme se rebelam porque se sentem humanos e acham injusto que só tenham quatro anos de vida. Foram programados para ter emoções, são quase humanos, mas têm a durabilidade de uma máquina, um liquidificador ou uma batedeira. No final, Roy Batty, o líder dos replicantes rebeldes, poupa a vida de Deckard por ter adquirido o respeito pela vida, seja lá o quanto ela dure. Pena que Deckard tenha o mesmo respeito pela vida e não demonstre arrependimento pelos replicantes que matou. Em "Blade Runner", os replicantes têm motivações mais nobres que os humanos. É verdade que Rachel mata o replicante Leon, mas foi para salvar Deckard. E fica abalada por tirar uma vida, coisa que Deckard não faz. Enquanto os replicantes lutam pela vida, Deckard é um exterminador, o trabalho que se espera de uma máquina que não pensa nem sente.
Deckard se apaixona por Rachel e foge com ela. Ele sabe que ela tem quatro anos de vida, mas pensa: quem de nós sabe quanto tempo vai viver?