sábado, 27 de março de 2010

Forever young


Um comercial de TV mostra jovens com um pouquinho de lama esterilizada no rosto, cantando "Forever Young" para vender um carro de yuppie. Outro dia, uma jovem completou 21 anos e disse que estava começando a descer a ladeira. Aos 21 anos! Agora me vem um integrante do Abba dizer que eles preferem ser lembrados jovens, cheios de energia e de ambição, e que por isso não se interessavam muito em se apresentar juntos outra vez.
Ou seja, os velhos que desapareçam. Esse mundo não foi feito para eles. Pelo menos não o mundo da mídia e do consumismo. Graças a Deus que a vida é mais do que o sucesso do momento. Ainda podemos ver os Rolling Stones fazendo shows para teatros lotados, Mick Jagger e Keith Richards cheios de rugas, felizes da vida por estarem num palco. E ficamos emocionados com a foto de Olivia Hussey e Leonard Whiting tirada anos depois do lançamento do clássico "Romeu e Julieta", de Shakespeare, na filmagem de Franco Zefirelli. Ou podemos ver o mundo do nosso jeito, sabendo que não haverá grandes atropelos se ficarmos uma tarde admirando um jardim, um pôr-do-sol ou as crianças brincando no parque. Nas locadoras, não enfrentaremos grandes disputas para encontrar um clássico do cinema. E, se a grana for curta, podemos passar um dia agradável, lendo um livro velho, conversando com um velho amigo ou passeando bem devagar de mãos dadas com o grande amor de nossas vidas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Papai Noel em apuros


A maioria das pessoas não sabe distinguir um alce de um caribu ou de uma rena. Isso dá aos romances de mistério escritos por suecos e noruegueses um toque exótico, que talvez explique por que se escreve na Escandinávia o melhor romance policial do momento.
Nas histórias de Henning Mankell, por exemplo, a gente aprende que o verão na Suécia é tão curto que eles aproveitam ao máximo, com a intensidade com que a vida em qualquer lugar deveria ser aproveitada. Eles tiram as roupas e pegam sol na varanda, nos parques, onde der. A maior parte do ano faz frio e as noites são longas. O que pode ser mais noir do que um país que vive quase sempre nas trevas da noite e as pessoas usam máscaras ninja até para ir ao supermercado sem a menor intenção de assaltá-los?
Asa Larsson escreve histórias ambientadas no norte da Suécia, onde é mais frio e mais escuro, quase nos limites da Lapônia, terra onde um povo nômade cria suas renas para ter leite, carne e couro resistente para suas roupas. Larsson conta a história de um religioso que morre olhando para a aurora boreal, um fenômeno que provoca experiências místicas em quem se der ao trabalho de olhar para o céu. As imagens são lindas, dizem, mas fazem pensar que está sempre acontecendo algo no universo e que o fim do mundo está próximo, tem que estar, já que nem as estrelas ficam paradas no lugar.
Nos romances suecos e noruegueses tem sempre alguém atropelando um alce e morrendo. Deve ser algo comum por lá. Isso não aconteceria no Brasil ou na África. Os alces já estariam extintos, de tanto serem abatidos para consumo em churrascos de fim de semana ou para serem vendidos em espetos nas esquinas das grandes cidades.
Karin Alvtegen conta histórias sobre os sem-teto, gente que vive do que cata no lixo e se abriga nos espaços desocupados das grandes cidades. Não existem mais paraísos no planeta. A miséria, a violência e a indiferença chegam até a calota polar. Se as renas não aprenderem a atravessar nas faixas de pedestres, até Papai Noel está correndo perigo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O Oscar emagreceu


Tom Hanks chegou na frente do palco, disse meia dúzia de palavras e, sem fazer nenhum suspense, anuciou o ganhador do Oscar de melhor filme. Foi o anticlímax de uma festa que teve altos e baixos, sendo que os baixos não serão esquecidos tão cedo. Como relevar o fato de que a sem graça Sandra Bullock, no papel de uma perua bem intencionada, tenha superado grandes atrizes, como Meryl Streep e Helen Mirren? Sean Penn estava tão desconsolado de ter que entregar a estatueta para Bullock, que chegou ao palco mal ajambrado, a camisa aberta, o nó da gravata folgado, o terno amassado, e um discurso em que deixou bem claro que não faz parte da Academia de Artes e Ciências de Hollywood. Se quisessem premiar uma novidade, pois afinal Meryl Streep e Helen Mirren já estão consagradas, que dessem o Oscar para a novata Gaborey Sidibe.
Os altos da festa ficaram por conta dos depoimentos de atores sobre seus colegas indicados ao prêmio deste ano. O depoimento de Stanley Tucci valeu mais do que o Oscar para Meryl Streep, assim como o de Tim Robbins para Morgan Freeman. Estatuetas pegam poeira, podem ser roubadas, mas o que milhões de pessoas ouviram sobre suas atrizes e atores favoritos vai ficar gravado no imaginário de quem ama o cinema. É para isso que vemos a cerimônia do Oscar e não para nos sujeitarmos à politicagem de Hollywood.
"Guerra ao terror" (The hurt locker), grande ganhador da 82ª edição do Oscar, talvez seja o melhor filme do ano, mas ficou evidente que ele só foi escolhido pelo apoio que dá às intervenções militares no Iraque e Afeganistão. A diretora do filme, Kathryn Bigelow, deixou isso claro em seu discurso de agradecimento. Os atores comemoraram como se tivessem capturado Osama bin Laden. A Academia esnobou o outro favorito, "Avatar", talvez pelo seu discurso contrário ao estrago que as grandes empresas causam ao planeta em sua busca insaciável por lucro.
Agora vamos aos bons momentos da festa: Jeff Bridges, Oscar de melhor ator, confirmou nossas suspeitas de que é uma figuraça, é o grande Lebowski, personagem de um antigo filme dos irmãos Coen, com quem se identificou às mil maravilhas, de jeito relaxado e em paz com o mundo à sua volta. Christoph Waltz, Oscar de melhor ator coadjuvante, fez o melhor discurso da noite, resumindo os fatos que o levaram ao sétimo céu das estrelas do cinema.
Mas, do que eu gostei mesmo, foi dos apresentadores. Steve Martin e Alec Baldwin salvaram a noite, com tiradas inteligentes e hilárias, reeditando a química das grandes duplas da comédia, como Laurel e Hardy, Abbott e Costello, Dean Martin e Jerry Lewis. Mas, de um modo geral, o Oscar emagreceu: os números musicais foram poucos e o recurso ao arquivo de imagens foi discreto. A homenagem a John Hughes, diretor de "Curtindo a vida adoidado", poderia ter sido mais bem elaborada, terminando talvez com Matthew Broderick cantando rock em cima de um carro para uma multidão de estudantes.
Foi ótimo o Oscar de melhor filme estrangeiro para "O segredo dos seus olhos". O cinema argentino merecia este prêmio e Juan José Campenella, como melhor diretor argentino, merecia mais ainda.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Uma tia velha e doida


Keith Richards está cada vez mais parecido com a tia velha e doida que eu não tive. No documentário "Shine a light" que Martin Scorsese fez com os Rolling Stones, Keith aparece em todas as suas mais agradáveis dimensões: está afetuoso, bem humorado e cada vez mais apaixonado pela guitarra, como um menino que não se separa de seu brinquedo favorito. Contam que Johnny Depp se inspirou na personalidade exuberante de Keith para compor seu personagem mais popular, o pirata Jack Sparrow. Ficou tão bom que convidaram o guitarrista para fazer o papel de pai de Sparrow no terceiro filme da série "Piratas do Caribe".
"Shine a light" mostra os Stones com todas as suas rugas, marcas de uma vida bem vivida e feliz, a vida de quem sempre pôde fazer o que gosta. O documentário resgata imagens do tempo em que nem Mick Jagger sabia que a banda faria tanto sucesso e por tanto tempo. Nos anos 60, os Beatles eram os bons meninos e os Stones, os marginais. Os Beatles acabaram depois de uma briga feia, enquanto que os Stones estão aí, ainda na estrada, com Keith cantando abraçado com Mick Jagger, num gesto de amor impensável entre John Lennon e Paul McCartney.
O visual de Keith, mais despojado que o mais radical dos hippies, me faz sorrir. Seu fiapo de voz me emociona quando canta "Connection", canção do álbum "Between the buttons", que foidesprezado pelos críticos mas está entre os meus preferidos. Acompanho Keith de longe, com o orgulho de ver que um amigo de infância não abandonou meus ideais de menino. Ainda mais quando ele saúda o público dizendo com a intensidade da emoção de seus eternos solos de guitarra que é muito bom ver toda e qualquer pessoa e estar em todo e qualquer lugar.